São Paulo – Dez por cento da população mundial têm diabetes e o Brasil é o quarto país com maior incidência da doença. Em 2015, havia 14 milhões de brasileiros diabéticos e, até 2040, estima-se que o número de pessoas com a doença no País chegue a 23 milhões. O problema é que 50% delas não sabem que têm diabetes que, sem tratamento e controle adequados, gera inúmeras complicações. A retinopatia é uma das consequências dos índices elevados de glicose no sangue e afeta 40% dos pacientes. Se não diagnosticada a tempo, pode causar cegueira.
“O diabetes tem um aspecto traiçoeiro porque evolui silenciosamente”, alerta a médica endocrinologista Hermelinda Cordeiro Pedrosa, presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes). Além de prejuízos à visão, os altos índices de glicose no sangue também estão entre as causas de doenças nos rins, no coração e nos nervos.
Entre os fatores mais comuns que levam à cegueira a população mundial, a diabetes ocupa a quinta colocação. A doença afeta a retina como um todo e o agravante é que 49% dos casos de retinopatia diabética são diagnosticados tardiamente porque a doença costuma ser assintomática. “A doença acomete os vasos da retina por causa das altas taxas de açúcar no sangue. Ter a visão boa não significa que todo o resto do olho está bom. Mas a cegueira é evitável”, ressalta a médica oftalmologista Tatiana Azzi. Quando a doença dá sinais, eles se caracterizam pela perda de foco, percepção de cores desbotadas, manchas negras e imagens distorcidas.
Há dois tipos de retinopatia diabética. A não proliferativa é o estágio inicial da doença, quando há danos aos vasos do fundo do olho que causam hemorragia e vazamento de líquido da retina, o EMD (Edema Macular Diabético). O segundo tipo é a proliferativa, fase em que os vasos da retina ou do nervo ótico não conseguem transportar os nutrientes até o fundo do olho, estimulando a formação de novos vasos, anormais, que causam sangramentos.
A orientação médica é que ao ser diagnosticado com diabetes tipo 2, o paciente deve ser encaminhado para o exame porque não se sabe por quanto tempo ele viveu com índices glicêmicos elevados. Manter altas taxas de glicose no sangue danifica progressivamente a estrutura ocular. Quanto maior o período, mais extensos podem ser os danos. Nos pacientes com diabetes tipo 1, os exames devem ser frequentes. Os exames de fundo de olho com ou sem dilatação e o mapeamento da retina, com dilatação, são os indicados. O exame diagnostica sangramentos e extravasamentos dos conteúdos do sangue.
O tratamento tem caráter multidisciplinar e envolve acompanhamento com médico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, assistente social e educador. “Hoje, já se fala em recuperar a visão perdida e não mais em estabilizar”, diz Azzi. Até alguns anos atrás, o tratamento padrão eram as cirurgias a laser, que “fechavam” os vasos sanguíneos para impedir o vazamento de secreções na retina.
Recentemente, o laser foi substituído pelos anti-VEGF. Nessa forma de terapia, o fármaco é ministrado por meio de injeções intraoculares que têm a capacidade de interromper a progressão do EMD, responsável pela perda da visão. O medicamento melhora a oxigenação e age como se recuperasse os vasos sanguíneos, impedindo a secreção de líquidos. Esse tratamento, porém, não faz parte do rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde) e não é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) nem pelos planos de saúde.
“O paciente jovem tem que acompanhar de perto e a doença é totalmente controlada”, destaca a médica oftalmologista, salientando que, no Brasil, 17 anos é o tempo médio de afastamento dos profissionais do mercado de trabalho em razão da retinopatia diabética.
A publicitária Aline Peach, 42, tem diabetes tipo 1 desde os dois anos de idade. Na década de 1970, lembra ela, receber o diagnóstico da doença “era quase uma sentença de morte”. Mas a família tinha recursos e acesso a bons profissionais e Peach iniciou o tratamento cedo. A fase crítica veio na adolescência, quando ela deixou de fazer o controle rigoroso da doença, o que causou prejuízos a sua estrutura ocular e também aos rins. Já na faculdade, aos 18 anos, a miopia saltou de três para seis graus e, no mesmo ano, foram diagnosticadas a retinopatia e a nefropatia.
Para conter os danos à visão, a publicitária recorreu às cirurgias a laser, único tratamento disponível até então. “Meu olho é completamente ‘queimado’ de laser. Tenho um pouco de perda de visão no olho direito e o esquerdo faz com que eu não distinga algumas cores. A minha visão noturna também não é legal.”
Hoje, Peach faz controle de carboidrato e para livrar-se da culpa por ter descuidado do tratamento, o que ocasionou a retinopatia diabética, recorreu a tratamento psicológico. “Tive que entender que eu causei ao meu corpo esse dano”, reconheceu. “Faz 39 anos que tenho diabetes. Hoje, preciso ir ao oftalmologista e ao retinólogo com frequência. Os cuidados com os olhos têm que ser constantes.”
*A repórter viajou a São Paulo a convite da ADJ Diabetes Brasil
Fonte: Folha de Londrina